Em Memória dos Heróis da Revolução Constitucionalista de 1932

terça-feira, 17 de agosto de 2010

O BRASÃO DE BERTIOGA

No litoral norte do estado de São Paulo, a 108 quilômetros da capital, está a cidade de Bertioga. Uma cidade que vibra com todo traquejo praiano. Com a vida correndo no molejo de quem só se preocupa com a ação da maresia sobre tinta da parede da sala de estar. Esperando que a parede descasque, para cobri-la de azulejos. Contudo, Bertioga também propicia algum momento de introspecção. Quando se pode experimentar a reflexão dentro de um conceito expansionista. Já que, por lá, toda praia é abundante em areia e, por não se tratar de uma baía, é possível contemplar, no fim do oceano, a curvatura da Terra. 
Todavia, esse arejar de ideias influenciou o simbolismo local.
Particularmente, o brasão da cidade. Que foi oficializado em 1993. E é de autoria do arquiteto, e então prefeito, José Moura Dedemo Orlandini.
Mas o que esse brasão tem de tão especial?
Bem, o fato de que ele mostra mais do que aparenta.
Mas, inicialmente, é preciso fazer uma decupagem superficial do mesmo. A começar pela parte superior da peça. Sobre o escudo ibérico. Por uma coroa mural prateada com cinco torres. Que é referente à emancipação da cidade.
Já, sob o escudo, há um listel de blau, forrado de prata. Sendo que “blau” tem sua origem na palavra francesa “bleu” e é o termo utilizado na heráldica para discriminar a cor (ou esmalte) azul. Azul que não cobre os tipos argentados do topônimo “Bertioga”, do ano 1547 – data de fundação do povoado – e 1993 – ano de sua manumissão.
Por fim, emoldurado o escudo é por duas velas de goles. “Goles”, que vem do termo persa “ghul” e é referente a um esmalte encarnado. Sendo que as velas pertencem a duas embarcações de recreio, que simbolizam o turismo e os esportes náuticos.
Com tal que o aprofundamento da decupagem revela a real função do brasão. Uma função exposta no escudo de sinople. “Sinople”, que flui da palavra grega “sínopis” e evoca a terra verde de Sinope, um antigo porto da Panflagônia, no Mar Morto. E ele é figurado por uma faixa em esmalte verde e com a base ondulada que atravessa a prata da peça na horizontal. Sem mais, o escudo é uma alegoria às origens portuguesas da cidade. Pois o seu modelo era muito usado na Península Ibérica.
Doravante, essa é a plataforma de uma miríade de detalhes. Tudo que cobre de charme o brasão. Ora que os elementos estampados no escudo são interessantes à vista do leigo e significantes aos olhos do ocultista. Em especial, do cabalista. Que, na soma deles, encontra a parte de cima da Árvore da Vida.
A Árvore da Vida é um diagrama que forma a figura estilizada de uma árvore. E que foi, inicialmente, esboçada pelos safarditas, na Espanha, em uma data desconhecida. Depois, foi redesenhada pelos místicos de Safed, na Galiléia, em Israel, no fim do século XVI. Tornando-se fundamental no estudo da Cabala.
Ademais, a copa da Árvore da Vida, que tem como um dos seus significados a estrela de seis pontas – a popular estrela de Davi –, é do escudo o esqueleto.
A começar pelo “chefe” – parte acima da faixa verde – que desempenha a função do elmo do cavaleiro.
Onde, virtualmente, a ponta do cume da estrela de Davi aponta para o sol de goles. Que, segundo a heráldica, representa a eternidade e a verdade. E o esmalte evoca a honra e o sangue derramado em combate.
Agora, pelo crivo da Cabala, isso desempenha a função da esfera da coroa. O estado primordial de uma existência. Quando toda energia criativa é contida em um todo e isolada pelo nada.
Em cada lado do sol há uma estrela de blau. As quais retratam a serenidade e a lealdade. Que são os atributos que geram a luz que perfura as trevas da indecisão.
Agora, na outra versão, a ponta direita indica a estrela que substitui a esfera da sabedoria. O momento em que a energia criativa extrapola a força que a contém e explode. Assim se espalhando por onde existia o nada.
Quanto à outra ponta: ela mostra a estrela que está no posto da esfera do entendimento. Quando cada partícula criativa tem a sua ação enquadrada por uma nova realidade. Uma realidade influenciada pela interação com as demais partículas e com os resquícios do nada.
Todavia, na diagonal, abaixo da faixa verde, no “contrachefe”, a ponta sinaliza uma embarcação. Que tem uma dupla função. Na primeira: o barco prateado substitui a esfera da compaixão. Instante em que a energia, explorando os limites das limitações, se torna um arquétipo. Enquanto o segundo ofício é desempenhado pela vela; que representa um dos pilares que sustentam a Árvore da Vida. O pilar da misericórdia.
Do lado canhoto, é assinalado o barco que representa a esfera da justiça. Quando o modelo, por uma questão de sobrevivência, é lapidado e ajustado. Podendo até mesmo ser descartado em virtude da viabilidade existencial de outro. E a vela vale pelo pilar que equilibra tudo. Que é o pilar da severidade.
E por último: a ponta voltada para baixo; para o peixe de goles. Um peixe que enuncia o silêncio e a fé em Deus.
Na interpretação ocultista, ele desempenha a função da esfera da beleza. A hora em que a criação está apta ao arremate final. Assim, concluindo o processo criativo. Ademais, se somando também a informação de que o peixe é um dos signos da Cabala. Citado no “Sefer Ha Zohar” – o “Livro do Esplendor” – como o Grande Peixe. Peixe que tem a cabeça tão vermelha quanto uma rosa e as escamas duras como ferro. E é a metáfora, a priori, do pior. Do caos. Posto que o balançar da sua cauda causa um movimento tão violento, que desestabiliza os pontos cardeais. Contudo, a fim de postergar o fim, Deus sempre o domina e o joga dentro do abismo. Dando à humanidade a chance de criar uma nova civilização.
Não parando por aí.
Visto que sobre o esmalte verde há a figura de uma fortaleza. Que retrata uma defesa funcional e uma retidão de caráter. E é uma alusão ao Forte de São João. Forte que fora erguido em 1532 e serviu como um eficiente ponto de resistência aos ataques de índios e de estrangeiros. Sendo que atualmente funciona como um importante ponto turístico. Com isso, revelando uma contradição que só o tempo pode produzir. Pois um símbolo de repelência representa a receptividade. A qual está expressa na arte da prateada fortaleza. Na porta que se entende como aberta graças a uma nódoa de sable. “Sable” que é referente ao esmalte negro. E cuja denominação como cor vem do fato de “sable” ser a raça de um parente da doninha. Muito comum na Ásia. Que, na Idade Média, tinha a sua pele extraída e tingida de preto para, como uma capa, adornar o escudo.

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Brasão de Bertioga
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Árvore da Vida

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